sexta-feira, 19 de dezembro de 2008
Seria feliz se fosse meu
"Ó Pai
Não deixes que façam de mim
O que da pedra tu fizestes
E que a fria luz da razão
Não cale o azul da aura que me vestes
Dá-me leveza nas mãos
Faze de mim um nobre domador
Laçando acordes e versos
Dispersos no tempo
Pro templo do amor
Que se eu tiver que ficar nu
Hei de envolver-me em pura poesia
E dela farei minha casa, minha asa
Loucura de cada dia
Dá-me o silêncio da noite
Pra ouvir o sapo namorar a lua
Dá-me direito ao açoite
Ao ócio, ao cio
À vadiagem pela rua
Deixa-me perder a hora
Pra ter tempo de encontrar a rima
Ver o mundo de dentro pra fora
E a beleza que aflora de baixo pra cima
Ó meu Pai, dá-me o direito
De dizer coisas sem sentido
De não ter que ser perfeito
Pretérito, sujeito, artigo definido
De me apaixonar todo dia
De ser mais jovem que meu filho
E ir aprendendo com ele
A magia de nunca perder o brilho
Virar os dados do destino
De me contradizer, de não ter meta
Me reinventar, ser meu próprio Deus
Viver menino, morrer poeta"
domingo, 23 de novembro de 2008
Deserto
Vejo-me entre quatro paredes muito estreitas
E, ainda assim, gostaria de estar mais dentro de mim
Em tempos de poeira e pedra
Permaneço hipnotizada
Não sou capaz de ouvir a minha voz
Disse Grotowski:
- Os sapatos não deixam os pés viverem -
Quem me calçou tanto assim afinal?
Quero as árvores que ainda não cresceram
E as sementes que se desfazem humildemente
E as raízes que estupram a terra
E a terra sob meus pés
Sem sapatos
segunda-feira, 10 de novembro de 2008
Verdades de papel
:: Hoje, tenho outros tons e novas verdades. ::
Por que a mentira entre os homens?
Por que o teatro pulsante das artérias reais?
Por que a boca dissimulada, espartilhada, provocante e atriz?
Pelo medo? Pela arte?
Pela preguiça e pela dor?
A verdade, costumeira, brinca de esconder
Exibe sua materialidade efêmera
Sob tapetes, sobre armários
A analfabeta verdade de papel
A verdade triste, decaída, embusteira
E como palco, muitas vezes
Vive meu cego coração
Protegendo atores duros
Fortes demais para a ribalta dos olhos
Por aplausos, então, levanto lágrimas
Filhas atentas da catártica mentira
A trágica e displicente mentira
Enquanto a verdade sopra o ponto do porão
Meu mundo mingua até a ponta dos dedos
Esperando o simples toque para o abismo
Mas eu não desisto dos homens
Mentindo, deixo de acreditar na mentira má
Construo minha pequena casa de verdades
E canto para seleta platéia de órgãos quintessenciados:
Eu, o amor e o perdão
sexta-feira, 24 de outubro de 2008
Início
sábado, 20 de setembro de 2008
Traço
sexta-feira, 12 de setembro de 2008
Poesia negada
Que mundo há por entre veios e veias?
O que se esconde atrás da velha muralha?
Perguntas infinitas rondam as águas da alma
Tentam, desmedidas, buscar a realidade
Mas ela já não existe, nem mesmo sob a terra
A verdade vestiu-se com o negro pano da mentira
No breu, não pode se ver, não obstante as mil pupilas
Quem a possuía, carrega agora apenas o teatro
A imitação do que se espera ser e não é
A putrefação dos sufocados minutos
A aniquilação das esmagadas lágrimas
A proibição das temidas vontades
E um sorriso roto em lábios amarelos
Pobre de quem não suporta a nau concreta
Mergulhando em rios com submarinos obtusos
Pobre de quem não se assume poeta
E vive metamorfoseando palavras
Apenas para que elas não tenham o poder
De construir doloridas e realistas rimas
segunda-feira, 1 de setembro de 2008
Olhos rasos
Sigo em encharcadas direções
Já que o compartimento
Comportamento
É estreito, não me cabe
Sou pequena para tanto de mim
Transbordo feito você, às vezes
Quase sempre, de água
De sal e de arte, artimanhas
Escorro feito cera quente
quinta-feira, 28 de agosto de 2008
Pequeno diálogo que tive com Deus em uma estrada fria
- Olá, acabei de nascer e não sei para aonde ir.
- Não se preocupe, querida, suba aí. É só pegar carona. Eu giro e você observa, ok?
- Ok. Os tapas que recebi ainda ardem a pele. Maldita luva cirúrgica... Tem um gelo por aí?
- Fique a vontade, pegue ali na Groenlândia...
- Obrigada.
- De nada.
- Vou ficar aqui, no banco de trás, olhando a estrada pela janela. Quero minhas mãos no vidro e meus olhos vidrados.
- Tudo bem. Mas cuidado com as digitais. As marcas podem te fazer culpada. E depois, não adianta se apoiar em qualquer pérfida contrição.
- Sou mais prática. Eu uso um limpa-vidros, obrigada.
- O que vê?
- As árvores. Por que elas correm lá fora? Estão fugindo de quê?
- Dos seus sonhos.
- Estranho, achei que ainda não tivesse sonhado.
- Bastou nascer, meu bem. Seu tempo de vigília acabou. Agora, tudo é fantasia.
- Gosto de bailarinas e palhaços.
- Então ande na corda bamba.
- As montanhas se movimentam devagar. Elas têm medo?
- Não. O medo está em você. Estagnado em você.
- Na verdade, eu me sinto paralisada, fixada aqui sobre esse asfalto. Tudo tem atividade lá fora. E eu de mãos atadas...
- Suas mãos estão enrugadas, mocinha. Não percebeu que chove aqui dentro?
- Sim. Os trovões cansam meus ouvidos.
- Mas não há trovões...
- Já escutou dentro de mim?
- Você venceu.
- Bem, acho que vou descer. Cansei dessa monotonia. Quanto te devo?
- Seu arrependimento.
- Fique com o troco.
- Oba!
- Mas o que é isso? Estou fora do mundo e continuo inerte. As árvores não fogem mais, as montanhas estão corajosas, a grama do acostamento está dormindo. Onde está o vento? Onde está a chuva horizontal?
- Oi, querida... O que foi?
- Você voltou?
- Eu nunca fui. Aliás, nunca vou. Eu sempre estou.
- O que há de errado comigo? Eu desci do mundo e agora o vejo em movimento. E aqui fora, tudo está pendurado no infinito. Nada se mexe. Tinha tanta inveja das árvores e hoje percebo: como elas são lúgubres!
- Menina, você me faz rir. Ocupe seu espaço e pare de sugar o imaginário. Não há ação além de você mesma. Tudo começa e termina em você. Inclusive o mundo. Resolva isso.
- Mas eu já tenho vinte e cinco anos. Só queria viver.
- Beleza, adoro filosofar... Vinte e cinco anos: um diapasão indefinível... Afinal, o que são vinte e cinco anos? Apenas uma vela oca e plástica sobre um bolo enfeitado e um soturno número que cai sobre sua pele.
- A margarina só não é plástico por uma molécula, sabia?
- Tempo é história e a margarina não tem chama.
- Você me chama?
- Sim, suba aí!
- E meus vinte e cinco anos?
- Injete-os na veia.
- Ok. Mas quero fazer um pedido...
- Faça.
- Posso dirigir?
- Claro, fique a vontade. Sua carteira de habilitação é toda a sua burrice corrigida.
- Então, segure-se!
Medo das regras
Uma pausa
(...)
Um sopro
(...)
O ar já não me pertence
Volta a ser vento
Nunca inerte
E se ele passa
Eu me permito sempre
(...)
Respirar
sexta-feira, 15 de agosto de 2008
Resfriado
A mulher pendurou o passado no quintal
Nem vento nem sol puderam secá-lo
Ela, então, vestiu o passado ainda molhado
E agora vive resfriada
Guardanapos voadores
Estranho receber os momentos do dia em que me sinto partida. São como presentes repetidos, pais adotivos de sorrisos amarelos. Certas imagens me batem como martelo, me pregam no tempo. Eu me fixo em pontos coloridos, que expressam meu pensamento mais remoto, mais prosaico, mais desinteressante. E quando os pontos se unem, em um ato de salvação para mim mesma, descubro a dor de não saber esquecer e resolvo criar desejos profícuos. Não quero agora estar partida - decido. Reúna-me, vento que suspirou há pouco. Obrigada. Nada pode me fazer sangrar de fato. Tenho a verdade no peito, guardada como um guardanapo usado, sujo de batom de mãe. E se a verdade aqui está, a mentira não me machuca. Não posso mais fingir pra mim mesma. Não há nada. Tudo está calmo. O idílio e a tragédia plasmada se foram. Carrego agora a atualidade, que me leva a crer que sou feliz. Realmente sou. Estou. Trago a palavra comigo, em todos os seus sentidos. E as palavras, para mim, são presentes caros. Únicos. Não se repetem.
quarta-feira, 23 de julho de 2008
Um copo de geléia com gelo, por favor
:: Hoje sinto-me doce e aquecida.::
Forminhas de gelo transbordam dias em meu congelador congela dor com gelador. Dias endurecidos e frios, pequenos submarinos em um whisky que eu nem bebo, pequenos mergulhadores em um suco de abacaxi, ácido, assíduo.
Buracos no estômago são espaços para a água ainda quente de um morto ainda quente de um amor gélido gel e dor. Mas os dias são também cáusticos castigos e compensam o freezer deitado ao meu lado. Dormir com um freezer é melhor que dormir só...
Copos de geléia sem geléia não servem para nada. Constatei essa verdade dias atrás e decidi jogar todos os copos de geléia fora, mas a idéia de que eles ainda estarão em algum lugar do universo me deixa irritada e aturdida. Não posso sumir com os copos de geléia e nem passá-los no pão durante o café da manhã. Vidros cortariam minha gengiva, dentes cortariam minha língua, e eu nem sei que parte de mim ainda está inteira, embora me sinta mais plena do que nunca.
Em meio à tempestade de ratos, um gato engole vento e continua com fome. A vida é assim para os gatos tranqüilos e magros. Nem sempre penso no espaço entre os ratos, o mesmo espaço entre as gotas de chuva que nunca é atingido e molhado. Nesse vazio, imagino, deve morar a tristeza que, sendo impermeável, não deixa se vestir de pingos. A tristeza não suporta a água e expulsa todo resquício de lágrimas dos olhos do mundo todo.
Nem sempre penso assim em forminhas de gelo. Na verdade, nos últimos tempos congelados, tenho pensado muito em gelo picado e batido de uma caipirinha que eu nem bebo, mas sinto. Esse momento lúgubre saiu então da garoa de ontem ou de um golpe de ar? Ele passa. É como esvaziar forminhas. Minhas. E encher tudo de novo ao relento. Lento. Para levar ao forno enquanto tomo um café. Sem geléia.
sábado, 19 de julho de 2008
Invasão
O que há por trás da muralha?
A Síria
Infinitos damascos
E uma chorosa montanha cegando pupilas
Que me importa se é feita de concreto?
Vou invadi-la
Equilíbrio
Meias grossas para proteger os pés
Meias palavras para não machucar
Meia luz para o amor ser melhor
Meio certo, meio errado
Metades várias para inteirar a vida
terça-feira, 1 de julho de 2008
Céu
:: Vi o céu ao desenhar olhos verdes. ::
Se o céu insistir em seguir sobre mim, eu direi a ele que meus olhos o refletem quando me deito no chão. Talvez ele não saiba que a amplidão, de fato, só existe dentro dos homens. Talvez eu não saiba que o teto, ainda que imponha limites, só existe para me proteger.
quinta-feira, 19 de junho de 2008
Árvores internas
:: A solidão é fria, mas, ainda assim, o calor continua fazendo parte do mundo. No meu peito, é só a primavera que ainda não chegou. ::
Tecidos
Em tanque de sangue e madeira
Lavei com sabão minhas certezas
De tanto esfregar, tanto e tanto
Ficaram elas desbotadas
O tecido frágil se desfez em partes
Fios soltos, furinhos, o todo
Não mais posso vestir minhas certezas
Hoje gastas de cloro, o gosto
E para não sair, ver vitrines
Nua, crua e despida
Uso, me enrolo, me aqueço
Em grosso casaco de dúvidas
Novelo de lã (Tecidos II)
Assim feito novelo de lã
Tenho vivido
A linha espera, se enrola
E tece oníricos vestidos
Entre agulhas pontudas
Moram no mundo os tecidos
Sofrem, padecem, enlouquecidos
Trespassados e enterrados
Saltam os pontos meninos
Ponto cruz ou ponto luz
Que pouco a pouco seduz
A incabível verdade
Quanto mais costuramos a dor
Mais rasgamos com a mão
De uma forma desajeitada e triste
Todos os cantos do coração
Deixo então exposta a funda ferida
Pois quanto mais me cubro
Mais me sinto despida
Assim feito novelo de lã
Tenho vivido
Tenho morrido
sábado, 7 de junho de 2008
Rimas de mim
quinta-feira, 5 de junho de 2008
Poça mágica
Tinha a mulher o corpo dividido. Um braço, uma perna, o ventre, o pescoço e os ouvidos já haviam entendido que aquele homem não mais existia. Outro braço, outra perna, os ombros, a boca e os olhos insistiam em desenhar sua silhueta entre pensamentos contumazes. Andar pelas ruas não era tarefa fácil. Vez ou outra, a mulher tropeçava, desajeitada, em dúvidas e discórdias interiores. Caía. Voltava a ficar de pé, envergonhada e febril. Caía novamente e, cansada, colocava os cotovelos sobre os joelhos, sentada no meio-fio, reflexionando sobre sua divisão corporal. Mesmo sendo os cotovelos e os joelhos inimigos mortais! Por longo tempo, não agia. Tremia diante de uma tímida intenção de movimento. Tinha medo que os dedos a levassem para um lado, enquanto os cabelos cismassem em correr para outro. Sofria pelo esquartejamento imaginário e decidia abusar da inércia.
Certo dia, porém, tentando domar um tornozelo rebelde, caiu sobre uma poça de lama. Sua bochecha esquerda expulsou todas as gotas do buraco da calçada, fazendo-o encher-se de pele e dentes. Estirada sobre o concreto, a mulher ramificada teve uma idéia. Afinal, ela não mais podia viver equilibrando seus membros...
Com uma criança que passava em direção à escola, tirou seu destino no par ou ímpar. Roubou, pois já estava decidida. Queria que aquele homem não mais existisse. Para ela. E então, arrancou todas as suas partes desobedientes, colocando-as em um jardim da cidade. Viu que o estômago era o mais machucado e insistente, mas não voltou atrás. Em uma loja de esquina, comprou órgãos novos, serenos e educados. Os olhos foram os mais difíceis de achar. Até que, em baixo de um livro antigo, ela encontrou um par de vistas castanhas que lhe interessavam. Ao enfiá-las sob as pálpebras, pode perceber que estava mais bela – e inteira.
Saiu pra passear sob o sol amarelo. Nunca havia se sentido tão firme. Tão suave. Tão feliz. Entre os membros enterrados no jardim, nasceram flores que guardam o passado. A burrice. Células cegas.
Hoje, a mulher vive livre e caminha delicada até mesmo sobre cordas-bambas. Ao seu lado, um homem pelo qual vale a pena... continuar completa.
domingo, 1 de junho de 2008
Choveu!
A chuva que se pede aqui, neste planeta, não é, necessariamente, a chuva de águas. A chuva que se implora aqui, nesta prisão, é a chuva vicejante que tudo faz florescer. A chuva que se espera aqui, neste pequeno coração, é a chuva que carrega a dor e traz novo amor.
:: Para estrear minha estante de palavras, declaro meu amor antropofágico pelo homem-poeta-palhaço Lirinha. O show de ontem lavou meus olhos. Derramou tempestade nos meus pés. Me fez brotar. ::
Transfiguração
Descobri entre os cílios
Um pedaço de pele intocada
Um poro, uma beira desraizada
Mas não vazia, nem abandonada
Soube então da morada do amor
Um amor secreto, embusteiro
Tão perto dos olhos, luzeiro
E tão escondido primeiro
O afeto mostrou-se entre os pêlos
Que protegem a alma debruçada
E ali, espremido e vicejante
Corre verdadeiro e pulsante
Abrindo-se liberto num instante
Para encontrar entre carta e selos
A bela e nova eternidade esmiuçada